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Radiação UV cortina

Filipe Braz

Médico oftalmologista

Docente convidado da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa e da Universidade da Beira Interior.

Atenção ao sol! Os efeitos assustadores da exposição à radiação UV

Tumores, fotoqueratite, pterígio, catarata e doença macular da retina são algumas das lesões oculares que pode vir a ter. Saiba como se proteger de forma adequada e segura com a ajuda do médico oftalmologista Filipe Braz.

Corremos mais riscos à medida que nos vamos expondo ao sol? Será que conseguimos reverter os danos consequentes da exposição precoce? A que lesões estamos sujeitos, qual a influência das alterações climáticas – sim, porque há consequências! –, o que podemos fazer para nos protegermos, quais os cuidados especiais a ter com as crianças e em que situações estamos expostos mesmo sem sabermos. Leia a entrevista com o especialista Filipe Braz, médico oftalmologista, e descubra tudo sobre os efeitos da exposição aos raios ultravioleta (UV).

1. A exposição excessiva à radiação UV aumenta o risco de danos no olho?

A exposição dos olhos aos UV, tal como acontece com a pele – o maior órgão do corpo humano –, é fonte de danos. Não esquecer que, quando falamos em mecanismos de proteção para os olhos, estamos igualmente a falar de proteção para a pele, nomeadamente para a pálpebra, um local tão frequente de patologia.

2. Estes danos são cumulativos?

Os danos consequentes dos UV, apesar de poderem causar patologia aguda, são cumulativos. As mutações a nível da expressividade do material genético vão-se acumulando e proporcionar a mutação celular. Daí a importância de proteger adequadamente desde a infância.

Estima-se que até aos 20-30 anos já se tenha cumprido metade da exposição solar total que iremos alcançar ao longo da nossa vida, com a agravante de que nessas idades o cristalino ainda é transparente e, portanto, os UVA podem alcançar facilmente a retina. Para isso contribuem fortemente as atividades realizadas ao ar livre até essa faixa etária.

3. Que lesões oculares e danos podem ocorrer com a exposição à radiação UV prejudicial?

As lesões oculares mais frequentemente associadas aos efeitos nocivos dos UV são os tumores da pálpebra e da conjuntiva, a fotoqueratite aguda associada à exposição aguda à luz solar em ambientes como a neve ou o mar, o pterígio, que evolui lentamente e silenciosamente, a catarata, que vai ser responsável por perda de visão e a doença macular da retina, que pode assumir uma forma aguda e uma crónica, ambas responsáveis por perda de visão central, muitas vezes irrecuperável. Estas duas últimas patologias geralmente são causadas pelos UVA, dado que os UVB sendo filtrados pela córnea se associam mais a patologia palpebral e da superfície ocular.

Ao usar lentes com proteção solar estamos, do ponto de visto prático, a reduzir de forma imediata a patologia oftalmológica. A longo prazo, estamos a evitar os tumores das pálpebras, as cataratas e até doenças da retina até ao momento incuráveis.

4. Os riscos para os olhos aumentam proporcionalmente à diminuição da camada do ozono na atmosfera?

À medida que a camada de ozono diminui, e isto é mais importante em determinadas latitudes, a capacidade de os raios UV serem retidos por esta camada também diminui. Vamos encontrar essencialmente os raios UV de maior comprimento de onda, os UVA e os UVB, dado que uma fina camada de ozono ainda vai conseguindo reter os UVC. Podemos assim assumir que as lesões oculares são provocadas essencialmente pelos UVA e UVB e que as nuvens podem não contribuir para a filtração dos raios UV que atravessaram a camada de ozono (por motivos físicos, algumas nuvens podem inclusivamente ainda aumentar a quantidade de UV que atinge a superfície da Terra).

5. Que fator de proteção solar mínimo devemos procurar nos óculos de sol e nos óculos graduados?

As lentes de sol e as lentes brancas devem assegurar uma proteção de 99%-100% para radiação até aos 400 micras. Devem, portanto, bloquear virtualmente a totalidade da radiação ultravioleta e permitir a passagem da radiação visível para um adequado conforto visual. Essa indicação deverá estar disponível nos óculos ou lentes. Óculos de sol caros, de designer ou lentes polarizadas não são, necessariamente, uma garantia de eficácia contra os raios UV.

A exposição indireta aos raios ultravioletas é uma fonte de dano que não é muitas vezes valorizada.

6. Que benefícios, a curto e a longo prazo, tem o uso de lentes com proteção solar?

Do ponto de vista prático, estamos a reduzir de forma imediata a patologia oftalmológica. Pense-se em alguém que vai para a neve ou para o meio do mar – fontes de enorme reflexão dos raios UV – e aí permanece, sem proteção ocular solar, durante umas horas. A instalação de uma fotoqueratite aguda com dor é altamente provável. Por outro lado, estamos a proteger a longo prazo, evitando os tumores das pálpebras, as cataratas e até doenças da retina até ao momento incuráveis.

7. Quando pensamos em proteção solar ocular, esquecemos muitas vezes que a exposição à radiação UV nem sempre é direta. Em que outras situações estamos expostos e com as quais devemos ter cuidados especiais?

A exposição indireta aos raios ultravioletas é uma fonte de dano que não é muitas vezes valorizada. Ambientes como a neve – no inverno e, portanto, com menor irradiação solar –, a areia da praia, as extensas superfícies de água (como o mar ou os lagos), calçada e casas de paredes exteriores brancas comportam-se como potentes fontes indiretas de radiação UV.

Uma outra fonte de irradiação indireta, que não é desprezível – podendo chegar a 30% do total –, é a superfície posterior dos óculos graduados que possuem revestimento antirreflexo. Estas camadas antirreflexo impedem a reflexão dos raios luminosos visíveis, aumentando o contraste e a nitidez dos objetos. Contudo, se não estiverem preparadas para impedir igualmente a reflexão dos UV, podem ser fonte considerável de radiações nocivas.

Assim como uma criança deve usar protetor solar, deve considerar-se o uso de óculos com proteção solar para evitar os danos oculares agudos e de longo prazo.

8. Acontece, também, não darmos a devida importância ao grupo infantil. Por exemplo, ainda associamos os óculos de sol maioritariamente ao fator estético e não tanto ao fator da proteção. Mas é certo que as crianças fazem parte de um grupo mais vulnerável. Esta deve ser uma preocupação fundamental?

Tal como acontece com a pele, inclusivamente com a pele palpebral, as estruturas oculares das crianças são mais imaturas. E estruturas imaturas e mais transparentes são mais suscetíveis ao dano, quer agudo, quer cumulativo. Portanto, assim como uma criança que passe bastante tempo ao ar livre deve usar protetor solar para evitar as queimaduras solares no momento e os tumores de pele no futuro, deve considerar-se o uso de óculos com proteção solar para evitar os danos oculares agudos e de longo prazo. A prevenção de lesões a longo prazo é ainda mais importante ao considerarmos o constante aumento da esperança média de vida nas nossas sociedades ocidentais. Todos queremos que os nossos filhos vivam mais, mas com mais qualidade.

9. Que cuidados devemos transmitir às crianças sobre a proteção dos olhos?

As crianças com exposição solar significativa – que passam períodos de férias na praia, que frequentam estâncias de esqui, que mesmo junto do domicílio passam muitas horas a brincar ao ar livre ou em parques públicos – devem ser consideradas para uso com óculos de proteção solar durante essas ocasiões. Uma importante diferença no que diz respeito à proteção cutânea consiste no período de maior exposição ocular à radiação UV, que não é necessariamente o meio do dia, dado que, por motivos anatómicos de localização dos globos oculares no crânio, uma percentagem muito significativa dos UV atinge os olhos ao ser refletida de outras superfícies. Portanto, a proteção ocular deve acontecer mesmo quando o sol está mais baixo no horizonte. Muito importante: não devemos esquecer os chapéus com aba ou pala, que permitem logo à partida reduzir a incidência de radiação UV em 50%. Estes dois acessórios têm, ademais, a vantagem de serem geralmente muito bem aceites esteticamente pelas crianças.

Lentes de sol não certificadas podem causar mais danos aos olhos do que não os usar.

10. E que conselhos práticos servem para todos?

Para avós, pais e netos, os conselhos são semelhantes. Fazer uso de chapéu na cabeça, com aba ou pala, diminui a metade o risco. A outra metade do risco pode ser reduzida com óculos com proteção ocular, preferencialmente justos à face para impedir a entrada de raios solares e para diminuir a sua reflexão na face posterior da lente. A cor das lentes deve ser adequada individualmente ao uso que se vai fazer das mesmas – mais claras para a condução, mais escuras para a praia ou neve. É igualmente importante considerar que, mesmo que se usem lentes de contacto com proteção UV, estas não vão evitar as lesões nas pálpebras e na conjuntiva, tão frequentes no nosso país. Por fim, alertar para que o uso de lentes de sol não certificadas podem causar mais danos aos olhos do que não os usar. Isto sucede porque estas lentes escuras fazem com que as pupilas dos olhos se dilatem, deixando passar mais raios UVA que danificarão os cristalinos e a retina. São totalmente contraindicadas tanto em crianças como em adultos.