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Assistente de oftalmologia no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria, Lisboa
Assistente convidada de oftalmologia na Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa
Os riscos são cada vez mais uma preocupação, embora não se saiba exatamente quais os efeitos reais a longo prazo. Tire todas as dúvidas relacionadas com a luz azul nesta conversa com a especialista Sara Vaz-Pereira, médica oftalmologista.
O que é, em que situações estamos mais expostos, quais os perigos e até os benefícios da luz azul – sim, porque existem! – e o que podemos fazer diariamente para minimizar o impacto da luz azul na saúde ocular são questões importantes para as quais encontramos respostas nesta entrevista com Sara Vaz-Pereira, médica oftalmologista, assistente de oftalmologia no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria (Lisboa) e assistente convidada de oftalmologia na Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa.
A luz visível tem um comprimento de onda que varia entre 380 e 750 nm e pode ser dividida em várias zonas de acordo com a cor. A luz azul corresponde ao intervalo do espetro de luz visível com comprimento de onda entre 380-500 nm.
A luz azul pode dividir-se na luz azul-turquesa (benéfica) e azul-violeta (nociva). O comprimento de onda mais nocivo tem um pico a 440 nm.
A luz solar é a principal fonte de luz azul, pelo que há sempre exposição durante o dia, especialmente ao ar livre. No entanto, existem também fontes artificiais de luz azul, como os díodos emissores de luz (LED). Os LED evoluíram significativamente nas últimas duas décadas e não só substituíram as lâmpadas tradicionais no ambiente doméstico, como também se tornaram a principal fonte de luz em tablets, TV, computadores e smartphones, pelo que a exposição acaba por ser continuada durante as 24h.
Os riscos da exposição ocular à luz são cada vez mais uma preocupação. A maioria das pessoas sabe que a exposição à radiação UV se pode associar a doenças do olho, tais como a queratite, o pterígio, a catarata e o melanoma. Mas a exposição crónica à luz azul-violeta tem também sido implicada no desenvolvimento de catarata e toxicidade retiniana, contribuindo eventualmente para o aparecimento de degenerescência macular da idade (DMI). No entanto, é de referir que a literatura sobre este tema é bastante contraditória e, na verdade, não sabemos exatamente quais os efeitos reais a longo prazo.
A luz azul também contribui para a regulação do humor e ritmo circadiano, nomeadamente do ciclo sono-vigília. Existem perturbações como o transtorno afetivo sazonal, também conhecido como depressão de inverno, que estão associadas a perturbações do ritmo circadiano por perda de exposição solar e, por isso, beneficiam de fototerapia. E também explica porque não devemos usar os tablets/smartphones antes de dormir – a exposição à luz quebra o ciclo do sono e contribui para insónia e fadiga durante o dia.
A literatura fala em potencial risco por fototoxicidade, não havendo um limiar claro a partir do qual a exposição seja prejudicial, mas a maioria de nós já está exposta de modo prolongado. No passado, a exposição era limitada às horas diárias. Com a iluminação artificial e as tecnologias atuais, a exposição ocorre durante as 24h, colocando o olho num risco potencialmente mais elevado. Não devemos também esquecer que, apesar de as novas tecnologias emitirem menos radiação do que o sol, usamo-las bastante mais próximas da face. Existe um grupo que aconselha a Comissão Europeia sobre riscos para a saúde – o Comité Científico dos Riscos para a Saúde Emergentes e Recentemente Identificados – que tem dado pareceres sobre alguns destes aspetos.
“Tem sido bem demonstrado que o uso de medidas fotoprotetoras, como as lentes bloqueadoras de azul, não tem efeitos prejudiciais. Assim, pode considerar-se razoável usar as lentes intraoculares ou óculos com lentes que filtram a luz azul-violeta”
Como já referi, hoje em dia todos estamos expostos, em praticamente todas as horas do dia. Até mesmo as crianças que, cada vez mais, começam logo desde muito cedo a usar as tecnologias digitais, como os tablets e os telemóveis.
Sim, o olho tem defesas contra a fototoxicidade. A córnea e o cristalino protegem naturalmente a retina e as estruturas oculares posteriores contra diferentes fontes de radiação, com menos de 1% de luz UV a atingir a retina, enquanto o pigmento macular luteínico (amarelo) atenua a luz azul que atinge a retina. Também com a idade, o amarelecimento do cristalino leva a um aumento do bloqueio da luz de comprimento de onda curto, protegendo parcialmente a retina envelhecida. Este efeito protetor desaparece com cirurgia de catarata, que é agora um dos procedimentos oculares mais comuns em todo o mundo.
Atualmente, ainda há falta de consenso entre a relação da exposição à luz e as doenças retinianas, como a degenerescência macular da idade (DMI), bem como a sua progressão após a cirurgia da catarata. Contudo, tem sido bem demonstrado que o uso de medidas fotoprotetoras, como as lentes bloqueadoras de azul, não tem efeitos prejudiciais. Assim, pode considerar-se razoável usar as lentes intraoculares ou óculos com lentes que filtram a luz azul-violeta, se não em todos os doentes, pelo menos nos doentes de maior risco.
“É preciso bom senso e conversar com o doente e perceber as suas queixas. Muitos doentes que passam muitas horas ao computador sofrem da chamada síndrome visual dos computadores”
Podem ser usadas medidas fotoprotetoras como lentes oftálmicas que filtram a luz UV e azul-violeta ou lentes intraoculares bloqueadoras de azul (implantadas na altura da cirurgia de catarata). Existem ainda vários aparelhos eletrónicos com funcionalidades como o Night Shift dos iPhones da Apple ou aplicações como f.lux para Androids que pretendem diminuir a exposição à luz nociva.
Podem. No entanto, deve ser evitado um bloqueio total de luz azul, existindo lentes com diferentes características, exatamente porque a luz azul também tem propriedades benéficas.
Penso que não existe uma fórmula certa. Como em tudo, é preciso bom senso e conversar com o doente e perceber as suas queixas. Muitos doentes que passam muitas horas ao computador sofrem da chamada síndrome visual dos computadores, que inclui irritação ocular, fadiga ocular e secura ocular, queixas que podem ser melhoradas com repouso periódico, lubrificação ocular e adequado posicionamento no local de trabalho. No entanto, há doentes com maior sintomatologia e motivados para experimentar estas lentes, que melhoram o contraste e o conforto nos casos de utilização prolongada.