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Crianças cortina

Paulo Vale

Coordenador de oftalmologia na Casa de Saúde da Boavista

Médico oftalmologista no Hospital Privado de Alfena. Membro da SPO, Associação Europeia de Estrabismo, Sociedade Espanhola de Estrabologia, Academia Americana de Oftalmologia e ESRCS (European Society of Cataract & Refractive Surgeons).

Óculos de sol são mais importantes para as crianças do que para adultos

Sabia que a exposição à radiação ultravioleta aumenta 3% a cada década, em Portugal, como consequência das alterações climáticas? E que as crianças devem estar protegidas em qualquer saída à rua? O médico oftalmologista Paulo Vale esclarece tudo nesta entrevista.

A luz ou radiação ótica é uma pequena parte do largo espetro de radiação eletromagnética (que vai das ondas de rádio aos raios gama) e que provém essencialmente do sol. Pode ser classificada em categorias diferentes, dependendo do seu comprimento de onda, e nem toda é percecionada como tal pelo olho humano.

A zona do espetro eletromagnético cujos comprimentos de onda vão dos 400 nm aos 780 nm, e em relação à qual o olho humano está provido de pigmentos sensíveis, é a luz visível. Comprimentos de onda mais curtos do que 400 nm são classificados como luz ultravioleta e aqueles mais longos do que 780 nm como luz infravermelha. A radiação ótica compreende assim a radiação ultravioleta (9%), a radiação visível (50%) e a radiação infravermelha (40%). Os óculos de sol oferecem uma dupla proteção: reduzem a intensidade da luz que atinge o olho e eliminam as radiações de maior energia, essencialmente a luz ultravioleta.

1. As crianças devem ou podem usar óculos de sol?

O uso de óculos de sol é ainda mais importante nas crianças do que nos adultos. Em primeiro lugar porque as crianças passam mais tempo no exterior (70% da exposição ao sol durante a vida ocorre antes dos 18 anos de idade). Em segundo porque, nos mais pequenos, a retina recebe mais radiação ultravioleta (RUV) do que nos adultos, em virtude da menor proteção proporcionada pela parte anterior do globo ocular (em particular o cristalino, ainda muito transparente). Com efeito, a transmissão da RUV é máxima após o nascimento (à volta de 20%), reduzindo-se lentamente para 2-3% aos 20 anos de idade.

2. A partir de que idade deve começar-se a usar óculos de sol?

Não há nenhum motivo para que uma criança com menos de um ano de idade não use óculos de sol, desde que devidamente certificados. A melhor proteção para o sol num bebé é um chapéu de abas largas, óculos de sol e o uso apropriado de protetor solar.

3. Quais são as vantagens de usar óculos de sol?

A criança, mesmo usando chapéu (que a protege da luz direta), fica ainda bastante exposta à radiação difusa e refletida a partir de superfícies ambientais, como a neve, a água e a areia. Esta constitui uma fonte bem mais importante de lesão ocular pela RUV do que a luz direta (ambiente) e os óculos de sol são a única proteção para essa radiação. Por outro lado, as lentes com filtros coloridos melhoram a visão (o contraste) em condições de grande luminosidade e com grande reverberação da luz.

4. Quando é que este uso deve ser obrigatório?

Em situações em que existam níveis elevados de RUV, quer direta (com o céu limpo, sol mais na perpendicular – como no verão –, ao meio-dia e em locais próximos do equador terrestre, ou locais com menor proteção atmosférica, como alta montanha), como também refletida (neve, gelo, superfícies grandes de água ou areia). É obrigatório também em crianças com patologias que os tornem mais suscetíveis, tais como a afaquia, o albinismo, a aniridia e problemas retinianos (retinose pigmentar, maculopatia), assim como em crianças que estejam a fazer medicação suscetível de as tornar fotossensíveis.

O IPMA (Instituto Português do Mar e Atmosfera) publica diariamente uma previsão do índice ultravioleta (escala de 0 a 11), em que com um índice 1 a 2 (baixo) não é necessário proteção; de 3 a 5 (moderado) é aconselhada a utilização de óculos de sol e protetor solar; e, de 6 a 7 (elevado) é reforçada a indicação de óculos de sol com filtro UV, chapéu e T-shirt. A partir do índice 8 deve ser de todo evitada a exposição, em particular das crianças, ao sol.

“Estima-se que a exposição à radiação UV ambiental tenha aumentado no nosso país à razão de 3% por década”

5. As alterações climáticas dos últimos anos fazem com que este uso seja cada vez mais importante?

As ações decorrentes das atividades humanas que atingem a atmosfera, poluindo o ar e reduzindo a camada de ozono, principalmente nas latitudes médias e altas, afetam também a RUV que chega à superfície. A RUV faz parte do espetro da radiação solar nos comprimentos de onda compreendidos entre 100 nm e 400 nm. Mais de 95% dos UV são filtrados pelo ozono situado na estratosfera. A radiação UV-C (100-280 nm) é totalmente absorvida pelo ozono atmosférico. Cerca de 90% dos UV-B (280-320 nm) são, também, absorvidos pelo ozono, o contrário acontecendo com a radiação UV-A (320-400 nm), que atravessa a atmosfera apenas com pequenas alterações. A depleção da camada de ozono situada na estratosfera favorece a entrada da RUV–C e RUV-B para níveis mais baixos da atmosfera, atingindo a superfície terrestre. Estima-se que a exposição à radiação UV ambiental tenha aumentado no nosso país à razão de 3% por década.

6. Que efeitos podem ter as radiações solares nos olhos das crianças?

Se a quantidade de RUV exceder os limites a partir dos quais os mecanismos de defesa, inerentes a cada espécie, se tornam ineficazes, poderão ser causados graves danos a nível do organismo humano e, em particular, ao nível dos órgãos da visão e da pele. É consensual, baseado em evidências a partir de estudos humanos epidemiológicos e estudos animais experimentais, que a exposição continuada à RUV e à luz visível de maior energia (azul-violeta) tem um efeito cumulativo ao longo dos anos, podendo contribuir para o desenvolvimento de doenças perioculares (tumores palpebrais) e oculares, entre as quais se destacam a fotoceratite (queimadura da córnea), pterígio, catarata e degenerescência macular. Estas podem ser prevenidas através de proteção adequada.

“A cor e a sua intensidade nas lentes nada indicam sobre o grau de proteção UV”

7. Que características devem ter os óculos?

A armação deve ter um formato envolvente e estar adaptada ao rosto da criança, por forma a proteger olhos e pálpebras de todos os ângulos (ter em mente a importância da radiação refletida). Este estilo tornou-se popular, por exemplo, nos óculos de desporto.

Se a criança pratica desportos, ou se é pequena, deve utilizar uma armação com fita elástica à volta da cabeça que a mantenha segura. A armação deve ser simultaneamente robusta, flexível, suscetível de amortecer o impacto e sem esquinas ou bordos aguçados, de material facilmente lavável, hipoalérgico e não tóxico. As lentes devem ser também resistentes ao choque e aos riscos.

8. A cor e a qualidade das lentes deve ser uma preocupação?

O mais importante é que as lentes tenham proteção UV 99-100% (que é sinónimo de absorção UV máxima até 400 nm). A cor e a sua intensidade nada indicam sobre o grau de proteção UV. Com efeito, da mesma forma que há lentes incolores que dão proteção UV de 100%, também há lentes coloridas sem qualquer proteção UV. Na verdade, usar lentes escuras sem a adequada proteção UV é pior do que não usar óculos de todo, porque, ao provocarem dilatação da pupila, estas estão a contribuir para uma maior entrada de RUV. 

A qualidade ótica e a resistência das lentes são importantes para o conforto e proteção da criança. No seu conjunto, lentes e armação devem estar de acordo com a norma EN ISO 12312-1:2015, o que se encontra atestado pelo fabricante com a sigla CE, que significa que obedeceu às normas.

“Um chapéu de abas largas, ou boné, diminui em 50% a exposição solar direta”

9. O que devem os pais fazer quando as crianças rejeitam os óculos?

É frequente que as crianças mais pequenas rejeitem no início os óculos de sol. Além de darem o exemplo, usando eles próprios óculos de sol, os pais devem ser pacientes e contemporizar. É importante a utilização de armações de tamanho adequado que se adaptem ao rosto da criança, com elástico que ajude a mantê-las em posição. As crianças podem levar mais tempo do que os adultos a adaptarem-se à novidade, mas em regra acabam por gostar.

10. Que outras formas de proteger os olhos da radiação solar devem ser tomadas?

A melhor prevenção consiste em evitar a exposição solar significativa entre as 10h e as 16h. Consulte o índice UV fornecido pelo IPMA antes de planear as atividades no exterior. Se o índice UV for moderado ou superior, adote as práticas de proteção adequadas, incluindo o uso de óculos de proteção UV. Um chapéu de abas largas, ou boné, diminui em 50% a exposição solar direta. Deve instruir as crianças para não olharem diretamente para o sol ou o seu reflexo.

11. E no caso de a criança já usar óculos graduados?

Existem no mercado lentes incolores que filtram a RUV a 100%, quer porque fabricadas com materiais orgânicos específicos, quer porque fabricadas com filtros UV. Estas lentes incolores, bem como as lentes de cor variável ou fotocromáticas (lentes que escurecem com o sol e se tornam incolores no interior), estão perfeitamente adequadas para a proteção UV nas atividades quotidianas de exterior.

Deve ter, no entanto, em consideração que, caso a armação não seja envolvente e ajustada ao rosto da criança, os olhos desta continuarão expostos à RUV em situações em que exista muita RUV refletida (neve, praia), a qual passa por fora da armação e da lente.

12. Que mitos devem ser desconstruídos?

Em relação aos óculos de sol:

  • Os óculos de sol não são um adereço de moda, são essenciais para a proteção da RUV, e mais ainda na criança;
  • Lente escura não é sinónimo de proteção UV. Pelo contrário, a proteção UV é independente da coloração da lente;
  • A utilização de lentes escuras, ou fotocromáticas, não causa fotofobia, nem afeta a médio ou longo prazo a perceção das cores.

Em relação ao índice UV:

  • Cuidado com os dias enevoados: se por um lado as nuvens baixas e espessas atenuam a RUV, por outro a nebulosidade em geral pode favorecer a difusão da radiação na atmosfera, através das moléculas de água e outras partículas finas, aumentando a radiação difusa;
  • A confusão entre temperatura e exposição UV: é frequente haver índices elevados de ultravioletas em dias com temperaturas amenas, levando as pessoas a exporem-se mais.

“Devem usar modelos com proteção UV a 100%. Prefira lentes de cores cinzentas ou castanho-âmbar”

13. Como devemos escolher os óculos ideais para uma criança?

Numa criança que necessita de óculos com graduação: opte por lentes com proteção UV a 100%, sejam estas incolores ou fotocromáticas. Estas providenciarão uma boa proteção no quotidiano, com a exceção das situações de maior exposição à luz ambiente refletida, nas quais é preferível uma armação envolvente com lentes coloridas.

Numa criança sem graduação: tenha em mente que as crianças, porque mais suscetíveis à RUV que os adultos, devem usar modelos com proteção UV a 100%, e não de brincar. Para isso, prefira lojas especializadas, como óticas, para garantir que as lentes coloridas têm filtros UV adequados e que as armações têm um formato que proteja os olhos da criança.

Acessoriamente, escolha a categoria de coloração entre 2 e 3. A categoria 4, muito escura, altera as cores naturais dos objetos e diminui a acuidade visual, sendo indicada apenas para atividades de alto risco como o montanhismo ou os desportos náuticos. Prefira as cores cinzentas ou castanho (âmbar).